Como Vietnã ou Afeganistão, essa é uma guerra que não pode ser ganha, porque não é uma guerra contra governos ou organizações. É uma guerra contra uma estrutura amorfa. Como um balão d’água, você aperta de um lado e ele incha do outro. Você aperta de dois lados e ele incha de um terceiro. Não adianta: você está apenas gastando sua energia lutando contra algo que você jamais irá controlar.
O Wikileaks apenas divulga informações, ele não as fabrica. Para-lo é tentar conter o sol com a peneira. Há milhares de servidores públicos descontentes com seus chefes e empresas que transacionam com o governo com funcionários ainda mais descontentes. São eles que vazam as informações. São eles que selecionam que informações podem interessar ao público. São eles os verdadeiros vilões ou heróis. Se o Wikileaks for à falência, outros surgirão em seu lugar porque se Assange não o houvesse criado, outro adolescente em algum canto do planeta o teria criado: a ideia é óbvia e o custo de implementação é mínimo (o orçamento anual do Wikileaks é de meros US$3,7 milhões, dos quais US$1,2 milhão é gasto com advogados). Tanto é assim que ao redor do mundo outros grupos passaram a copiar o modelo, como a Folha Transparência, no Brasil.
Os governos podem tentar conter o Wikileaks e seus sucessores, mas a única forma de parar os vazamentos é eliminar os servidores – o que é impossível – ou a internet, que é o canal através dos quais tais informações chegam anonimamente a eles e são divulgadas. Mas os governos são mais dependentes da internet do que qualquer outro indivíduo ou organização. O fim da internet significaria a volta à máquina de escrever e régua de cálculo, e nenhum governo – nem o dos talibãs – consegue conviver com tal retrocesso. A internet poupa a todos – especialmente aos governos – enormes quantias. Seu fim, seria a morte financeira dos governos como os conhecemos.
Por outro lado, o Wikileaks não teria o que divulgar se o que houvesse sido produzido não tivesse interesse para começo de conversa. Quase tudo o que foi divulgado e causou constrangimento foi porque algum diplomata confidenciou ao papel mais do que deveria. O que não deveria jamais ser divulgado – aquilo que colocou a vida de pessoas em perigo – passou a ser mitigado através do acordo que o próprio site firmou com veículos como o The Guardian na Inglaterra ou a Folha no Brasil.
Enfim, vazamentos ocorrerão e há apenas duas formas dos governos lidarem com eles: não fazerem algo que os envergonhe se vier a tornar-se de conhecimento público, e não falar a respeito se fizerem. E, dessas duas opções, eles só realmente controlam a primeira.
Grupos como Anonymous e LulzSec estão na outra ponta, mas da mesma corda: lutam por causas como fim da opressão, liberdade de expressão, contra cartéis de drogas, prostituição infantil etc. A arma e campo de batalha é a internet: invadindo e destruindo o que percebem como sites associados a essas causas, como governos, bancos, sites de pedofilia etc. Alguns desses alvos são mal calculados e muitos dos danos causados vão além do que é salutar em uma democracia, mas a forma – mais do que o conteúdo – merece atenção: como os informantes do Wikileaks ou da Folha Transparência, são comunidades anônimas, amorfas, e que por isso não podem ser controladas ou vencidas. Exemplo disso é que embora apareçam rumores de que o Anonymous possa estar em debandada, na última semana eles invadiram o site de várias polícias nos EUA, derrubaram os sites do Shin Bet e do Mossad em Israel, sites do governo de El Salvador, e declarou guerra aos narcotraficantes do Zeta, o cartel mais violento do México. Isso não parece ser um grupo prestes ao ocaso.
E, como o Wikileaks, o Anonymous seria inventado mais cedo ou mais tarde simplesmente porque a internet possibilita tal invenção e os custos e riscos de associação são muito baixos.
Mas, se não podem ser vencidas, eles podem ser neutralizado. Nenhum servidor público teria interesse em vazar uma informação se todos os governos agissem de forma transparente e honesta. E a maior parte dos hackers 'do bem' não perderia tempo invadindo sites de organizações transparentes e honestas. A razão de ser dessas organizações está no fato de governos continuarem agindo de forma obscura e obscena. Elas se alimentam do descontentamento. Enquanto os governos derem razão para que existam, elas existirão.
Ao longo da história aprendemos a associar segurança nacional (o estado) com segurança institucional (o governo). Se agências do governo estavam ameaçadas, o estado estava ameaçado. O governo representava a sociedade e, por conseguinte, qualquer ameaça ao governo era uma ameaça à sociedade. Mas e se isso não for verdade e estado e governo puderem ser tratados de formas diferentes? A exposição dos governos não significaria um perigo ao estado ou à sociedade que nele habita. A internet, pela primeira vez desde que largamos as pedras lascadas e saímos das cavernas, possibilita que a vasta maioria da sociedade expresse o que pensa diretamente, sem os filtros dos governos e jornais, e algo que exponha o governo não necessariamente exporá seus governados.